Curtas

Novos olhares SULeados com comentários, opiniões, ideias, crônicas e sugestões para a sala de aula.

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Fotos do CAPÍTULO 10 – BONITEZA
“Paulo Freire entre a Boniteza do Ato de Amar e a Boniteza do Ato de Educar” (cap 10)
Por Marcio D’Olne Campos

CAMPOS, Marcio D’Olne. Paulo Freire entre a Boniteza do Ato de Amar e a Boniteza do Ato de Educar. In FREIRE, Ana Maria Araújo (Org.). A palavra boniteza na leitura do Mundo de Paulo Freire, São Paulo: Paz e Terra, 2021, p. 199 – 235.

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 –  Paulo Freire adere ao SULear

 Em 1992 na página 15 do livro “Pedagogia da Esperança” que propõe “Um reencontro com a pedagogia do oprimido” (publicada em 1970), Paulo Freire – numa de suas atividades pedagógicas – inova se opondo ao uso do verbo nortear que mesmo no Hemisfério Sul, é comumente usado como sinônimo de orientar, espacial e espiritualmente. Nisto, muitas vezes constatamos frases do tipo: “Você precisa encontrar um norte!”. No entanto, o que precisamos é nos identificarmos com o sul de nosso contexto habitual e vivencial.

Em sua humildade competente de educador, ao procurar entender seus alunos-interlocutores a partir do lugar de fala deles, Freire faz autocrítica ao fato de nem sempre se transportar para o referencial de pensamento-ação dos alunos durante o diálogo.

“Por outro lado, apesar de alguns anos de experiência como educador, com trabalhadores urbanos e rurais, eu ainda quase sempre partia de meu mundo, sem mais explicação, como se ele devesse ser o “sul” que os orientasse. Era como se minha palavra, meu tema, minha leitura do mundo, em si mesmas, tivessem o poder de ‘suleá-los’” (Nota 15)

Naquela época estávamos mantendo vários diálogos sobre a oposição nortear/sulear e esse interesse de Paulo e Nita Freire gerou a cuidadosa nota 15 que Nita elaborou muito bem e com seu carinho a partir de nossas conversas. A nota está na página 218 do livro: ’15. “Suleá-los” ‘.

Não me lembro exatamente quando procurei cunhar esse termo e teorizar sobre ele, mas não foi muito antes dos anos 90 quando a convite de Tereza Scheiner (Diretora do PPG-PMUS), publiquei dois pequenos textos com minhas primeiras reflexões sobre SULear (Campos 1991).

Muito me honrou a referência que Paulo Freire fez a mim sobre o termo SULear. Por isso preparei um extrato das páginas do livro Pedagogia da Esperança nas quais o termo SULear é usado: Paulo Freire adere ao SULear (extratos) (Campos 2017). É claro que esta colheita me reavivou o orgulho destas amizades ao reler a dedicatória de Paulo e Nita incluída neste precioso balaio de memórias.

Cabe notar que a importância do educador Paulo Freire tem levado alguns estudiosos a atribuírem a ele a criação do termo/verbo sulear. No entanto, o que ele fez com a sua sabedoria foi valorizá-lo, tornando-o mais rico e difundido.

               Obrigado Paulo Freire, obrigado Nita Freire.

               Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 2017

               Marcio D’Olne Campos

Campos, M. D.. A arte de sulear-se I, A arte de sulear-se II. In: Scheiner, Teresa Cristina (Coord.). Interação museu-comunidade pela educação ambiental. Rio de Janeiro: UNIRIO/TACNET, 1991. p. 56-91. (Referência)

Freire, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. São Paulo, SP, Paz e Terra.1992. (Referencia)

Campos M. D. Paulo Freire adere ao SULear (mimeo – extratos de FREIRE, Pedagogia da Esperança, 1992), Rio de Janeiro, 2017


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  • “A música das estrelas” e Aldebarã: Observatório a olho nu, segundo Rubem Alves

Aldebarã, minha concepção e paixão perpétua: uma história de fascínios e retrocessos, dos quais talvez algumas histórias nunca serão contadas.
Fiquemos com as paixões e com a guarda de Rubem Alves.
Marcio D’Olne Campos

“Sempre que posso vou lá. Geralmente, o lugar está vazio. Acho que poucos sabem da sua existência. É o Observatório a olho nu, da Unicamp. […]  Quem ouve os céus desendoida e fica sábio. Quem ouve a música das estrelas nos céus consegue viver tranquilo em meio ao barulho da Terra. ”  –  Rubem Alves[1]

Em 1985, estava lançado – a partir de minha concepção – o embrião do projeto Aldebarã: Observatório a olho nu. Como “assessor especial para Extensão Universitária” [2], nomeado pelo Reitor José Aristodemo Pinotti em 1985, cuidei da execução do projeto ao lado de Beatriz Goulart de Faria, responsável pelo plano arquitetônico. Nesse período, defendia enfaticamente sob atenta observação o desvelar do que denominava os “instrumentos escondidos no laboratório da natureza”, ou seja, no meio ambiente de gente, terra e céu[3].

Ao mesmo tempo, o espaço construído do observatório articulava-se com seu interior, constituindo uma coleção de inúmeros instrumentos de observação de astros, luz e sombra. Esta coleção ia se revelando para o observador atento e problematizador nas passagens do dia, da noite escura, das Luas e das estações do ano. Isso permitia a percepção de fenômenos gerados pelas representações de tempos e temporalidades nos espaços (natural e socialmente construídos) e nesse lugar de frequentação.

Inaugurado na gestão do Reitor José Aristodemo Pinotti, o Observatório sofreu algumas dificuldades a partir da gestão do Reitor Paulo Renato Souza e foi finalmente extinto em 1995 em decorrência de alguns quiproquós que talvez nem seja bom lembrar. Isso ocorreu um ano antes de concretizar-se minha aposentadoria e volta para o Rio. Hoje, felizmente reaberto, é o colega e amigo físico Ernesto Kemp (IFGW – UNICAMP) quem dirige o Observatório. A seguir, me refiro ao precioso texto de Rubem Alves que segundo sua filha Raquel Alves do Instituto Rubem Alves [4], foi escrito em 2003 e publicado em 2004, durante o período de abandono de Aldebarã,

Rubem Alves, sensibilizado por seus passeios no Observatório a olho nu, traduz com seu texto e seus devaneios muito do que projetei e realizei – ou não – dentre meus sonhos. Na sua preciosa expressividade, ele fala por mim neste trecho de sua crônica “A música das estrelas” 

 “Sem lunetas, sem telescópios, sem computadores: somente os olhos, do jeito mesmo como o fizeram os babilônios e os astecas, muitos séculos atrás. Tudo lá tem sentido. Há, por exemplo, bem no meio da plataforma superior, um orifício vertical, igual ao de uma das pirâmides astecas, no México. Por aquele orifício, no dia e no momento em que o sol estiver no umbigo absoluto do céu, por ele passará um raio de sol que incidirá sobre o vértice superior de uma pirâmide de espelhos, colocada no centro de um espelho-d’água no piso inferior, repartindo-se então em quatro, indicando os quatro pontos cardeais. Não seria maravilhoso estar lá, naquele momento, esperando o raio de sol? As quatro janelas do andar inferior marcam o movimento do sol em cada uma das estações do ano. O sonho original dizia que, diante de cada uma dessas janelas, se plantaria um pequeno bosque de árvores que floresceriam naquela estação. De modo que, ao crepúsculo, seria possível ver o sol mergulhado na copa florida das árvores. E havia também o sonho de um relógio de flores — pois as flores se abrem e fecham em horas certas: há a ipomeia (morning glory), a onze-horas, a dama-da-noite, a flor-da-lua. Certamente seria um templo aos quatro elementos fundamentais dos filósofos antigos: o vento, soprando sobre a pele, o fogo, se pondo no horizonte, a terra, onde crescem as flores, e a água, que teria de jorrar em alguma fonte. Mas esses foram sonhos”

Notas:

[1] Rubem Alves, A música das estrelas. In A Música da Natureza, Papirus, Campinas, SP, 2º edição, 2004. Página: 59.

[2] Portaria GR-151/1985, de 05/07/1985. Reitor: José Aristodemo Pinotti.

[3]  Campos, M. D., Dutra, P. C. S., Hahn, A. O Laboratório da Natureza: Ciências naturais e sociais entre o céu e a terra. In José Luís Sanfelice (org) A Universidade e o Ensino de 1º e 2º Graus, Papirus; Campinas. 1988

 [4] Instituto Rubem Alves em Campinas, SP.


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  • Julio Cortazar – Prosa do Observatório
    Inspirações e provocações que me mobilizaram para a concepção do Aldebarã – Observatório a Olho Nu – UNICAMP

– Um belíssimo texto de Cortázar* me acompanhou sempre, antes e depois, da concepção de Aldebarã. O autor se inspirou numa visita ao Observatório Jantar Mantar em Jaipur na Índia, assim como num artigo do jornal Le Monde sobre o ciclo de reprodução das enguias. Ver, por exemplo: http://www.jantarmantar.org/Tours/Jaipur

(*) Cortázar, Julio. Prosa del Observatorio, Barcelona, Lumen, 1972.

(*) Cortázar, Julio. Prosa do Observatório. Trad. Davi Arrigucci Jr. São Paulo:   Perspectiva, 1985.

– Aldeias circulares indígenas e seus urbanismos onde os habitantes observam com os pés no chão o céu a partir do seu lugar de vivência e observação – seu horizonte.

– Sempre me incomodou a ausência do referencial topocêntrico, ou seja, aquele centrado no lugar em que pisamos (referencial de horizonte). Essa omissão é comum na rede escolar. Nela prepondera a menção ao referencial heliocêntrico de Copérnico. Ora, no centro do Sol nunca podemos nos situar e, portanto, nunca existe a possibilidade de observar como quando estamos de pé no nosso horizonte.

– É preciso notar que Einstein elaborou sua teoria da relatividade DOS REFERENCIAIS! O termo “gritado” aqui é sempre omitido. Ou seja, nenhum referencial é absoluto como parecem fazer acreditar os programas escolares que apenas mencionam o referencial heliocêntrico e nunca o único do qual podemos observar – a não ser que sejamos astronautas.


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  • Entrevista com MDC sobre Aldebarã: Observatório a olho nu – UNICAMP

Quer saber mais sobre a criação e o funcionamento do Aldebarã? Confira a entrevista dada por Márcio D’Olne Campos no final dos anos 80, época em que dirigia o observatório. Acesse: Arquivo MP3 (Caso não conduza para o MP3, copie o link no seu navegador)

Aldebarã: Observatório a Olho Nu – UNICAMP Pouco após a obra acabada em 1986.


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  • El Sur También Existe – Poema de Mario Benedetti

Marcio D’Olne Campos

Mario Benedetti (1920-2009), intelectual uruguaio com uma diversificada e magistral produção literária, nos dá um importante mote para a reflexão e a postura SULeadas e ilustra bem as oposições Norte/Sul no poema “El Sur También Existe” disposto no quadro abaixo e cantado pelo catalão Juan Manuel Serrat.[1]

As antinomias Norte/Sul e “arriba/abajo” complementam-se com sarcasmo e ironia como na referência à “Escola de Chicago” e sugerem de forma clara o caráter ideológico dos referentes e referenciais do Norte, quando são importados inadvertidamente para qualquer uso não apropriado no Sul.

Criamos um layout para o poema – compartilhando a ironia de Benedetti – de tal modo que o que se refere ao “Hemisfério Norte” dispõe-se acima (arriba) e o que se configura coerente com as ideias que afloram do Sul autêntico dispõe-se abaixo (abajo). Ver, por exemplo, o link associado à “Cooperação Sur-Sul”.

El Sur También Existe[2]    –    Mario Benedetti

[1] Serrat canta “El sur también existe” (Juan Manuel Serrat; Mario Benedetti)

NOTA 1: Segue o introito de J. M. Serrat ao cantar “O Sul também existe” na gravação:
“Nem sempre o Norte e o Sul coincidem com o Norte e o Sul geográficos, com os pontos cardiais.
É que sempre cada Norte tem um sul e cada Sul tem um norte
Eu digo que o Norte é o poder e que o Sul é tudo aquilo que luta contra a injustiça.
E digo que o Norte é o dinheiro e o Sul a fome.
Que o Norte é o passado e o Sul o porvir.
Que o Norte é o medo e o Sul é a esperança.
Que o Norte é a força, o Sul a astúcia.
Eu digo que o Norte é a pressa e o sul a paciência.”

NOTA 2: A tradução para o português de “O Sul também existe” encontra-se em “Benedetti: escritor uruguaio, resistente latino-americano” (Ou aqui em PDF)

[2] Extraído de “SULear vs NORTEar: Representações e apropriações do espaço entre emoção, empiria e ideologia”.

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